Ciência e Religião: o Coming Out [II]
O problema da religião é que tenta servir as necessidades das pessoas, impôndo-lhes um sistema moral que não se ajusta ao mundo - não segue o ritmo de evolução das sociedades actuais. Está estagnada e dependente das interpretações de um conjunto de livros escritos há milénios. Baseia-se num acreditar não fundamentado. Um exemplo social evidente: a orientação sexual ainda não é compreendida pela ciência, mas constantemente são publicadas novas descobertas que aos poucos vão desvendando o conhecimento da sexualidade humana. Geram-se debates [uns mais úteis que outros] acerca da existência de genes associados à homossexualidade, da influência natureza versus educação, etc.. Mas a homossexualidade na nossa espécie é um facto. Facto este que a ciência tenta explicar mas cuja complexidade ainda não permitiu que se alcançasse um consenso. A ciência não discrimina a homossexualidade, embora durante muito tempo os cientistas o tenham feito – mas isso já mudou há 3 décadas. A compreensão da homossexualidade não faz parte da religião. Ao invés, em alguns cantos do mundo os homossexuais são condenados à morte [a lei de deus assim o dita]; noutros são alvo da compaixão inerente à doutrina, a mesma doutrina que, por definição, os toma como intrínsecamente pecaminosos – esta hipocrisia facilita obviamente a discriminação; nas religiões de origem oriental, isto já não acontece tanto porque muitas não têm posição na matéria.
A religião, assim como a ciência, é puramente uma ferramenta. Uma ferramenta construída pelo ser humano para descrever o Mundo. Uma ferramenta que foi bastante útil em determinados períodos históricos, e que explora a nossa capacidade de acreditar, mas também a nossa tendência para idolatrar. Que tem o poder de unificar as pessoas com base na mesma linha orientadora. Mas actualmente o futebol também surte o mesmo efeito.
Se esta ferramenta secular cumprisse a função a que realmente se destina: um caminho solitário de introspecção e de melhoramento pessoal, com repercussões na vida social – seria relativamente inócua. Mas essa não é a realidade. É uma doutrina instituída que teima em não dar lugar a novas construções do Mundo e que está constantemente a interferir. E cujo conceito potencia tudo aquilo que temos vindo a observar nos últimos anos: um constante escalar do extremismo, e do uso da palavra de figuras divinas para justificar actos violentos. Sejam as escolas derivadas do cristianismo [com particular ênfase na ICAR], do judaísmo, as muçulmanas e outras oriundas do Oriente, em todas elas se encontram casos extremos de interferência na vida pública e naquilo em que, noutras circunstâncias, seriam considerados direitos universais do ser humano.
A nossa história está repleta de mitologias e de histórias de seres fantásticos como fadas, dragões, elfos e duendes. Mas é totalmente insensato discriminar alguém ou, no limite, pôr em causa a sua vida, em nome da fada Oriana ou de Elbereth [e a esta última é atribuída a criação de todas as constelações do mundo fantástico de Tolkien!]. Mas estas fantasias, ou foram desaparecendo com o tempo, ou apareceram num período em que já não eram propícias ao culto acrítico.
Não há problema nenhum se alguém acreditar num ser superior que criou o Universo e que regula a sua existência, desde que a pessoa se sinta realizada com essa visão do mundo. Mas dentro desse credo deve haver espaço para aceitar que ao lado se senta uma pessoa para o qual isso pura e simplesmente não faz sentido - e que portanto as normas dessa entidade reguladora não são aplicáveis. A igreja, enquanto instituição, está obsoleta. O conceito religioso também, do meu ponto de vista.
Como Dawkins [na foto] diz, no fim do seu documentário,
“Todos nós somos ateístas relativamente à maior parte dos deuses em que a Humanidade já acreditou. Alguns de nós apenas derrubam o último deus no caminho”