quinta-feira, abril 07, 2005

When death embraces us...

Por vezes somos apanhados desprevenidos. Um dos grandes fantasmas que temos em vida é exactamente aquilo que a define: a morte. Hoje, embora não directamente, isso tocou-me a mim e a muitos dos meus colegas no IST. Não é a primeira vez que me acontece, nem será certamente a última. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que tive um contacto mais directo com a morte: era pequeno e o telefone tocou de manhã. O meu avô tinha morrido e eu tive de telefonar à minha mãe para lhe dar a notícia, sabendo à partida a revolução emocional que isso causaria. E causou. De certa forma fui sempre eu que anunciei aos meus pais quando os meus avós faleceram. E de todas as vezes me ficava aquela sensação de vazio, de um espaço que foi criado. Mas de tudo isto aquilo que me comove mais é a dor dos que ficam. E lembro-me vivamente de ver a minha mãe chorar como uma criança, e a forma como isso me marcou.
Mas em nenhuma das vezes participei no funeral dos meus avós. Faz-me confusão os rituais que envolvem a morte, pela morbidez envolvida, e principalmente pelo vazio que lhes está associado. Sou ateu. A inevitabilidade da morte é tão clara como o facto de estar aqui e respirar. A homenagem feita à memória de todos que por cá passam não pode ser feita senão no enaltecimento da pessoa, naquilo que foi enquanto ser humano. Não quero parecer frio e insensível, nada disso: só não acredito em rituais para a morte, rituais estes que dependem das vivências religiosas das pessoas e que só fazem portanto sentido nesse contexto. A dor daqueles que perdem alguém apenas pode ser suplantada pela demonstração do meu Amor, pelos actos interpessoais. Por isso ainda lembro hoje os momentos em que a minha avó Isabel me tocava a face, reconstruindo a minha imagem em si [a minha avó era cega desde jovem], me dizia o quão gostava de me sentir; ainda me lembro da minha avó Maria rodopiando pelos cantos da casa do Alentejo, num frenesim total preparando os pequenos-almoços aos netos; lembro-me do avô Joaquim na horta em albufeira a apanhar laranjas e nêsperas e do seu mau feitio; e do avô Manel com a sua infinita paciência e sabedoria. Estão guardados na criança que cresceu com eles.
Por isso F. tens o meu apoio e amizade em tudo o que precisares; os próximos tempos vão ser complicados e dolorosos, sem dúvida. É difícil lidar com a perda de alguém que nos é tão próximo e querido - e que nos deu vida. Mas o tempo voltará irremediavelmente a trazer as coisas ao seu lugar. Um beijo e um abraço.

Nuno

"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar"

Sophia de Mello Breyner Andresen