sábado, março 06, 2004

Identidade Sexual e Genética - Parte I

Na sequência de um post que está no Conta-Natura (agradeço ao Rui pela dica), aproveito agora para tecer algumas considerações sobre este tema.

Sinceramente não apoio totalmente a teoria que atribui a orientação sexual a um gene e acho que os resultados provenientes da pesquisa que envolve o "gene gay" devem ser analisados com cuidado. Creio que para o desenvolvimento de uma teoria que descreva de um ponto de vista biológico a "orientação" sexual [e saliento as aspas] é necessário começar por discernir duas realidades: o comportamento homossexual e a construção de uma identidade sexual.

No que diz respeito ao comportamento homossexual considero o sentido mais estrito do termo e que envolve assim todas as actividades de índole sexual que envolvam parceiros do mesmo sexo: desde o cortejar ao beijar, passando por práticas que compreendam a estimulação genital e até a penetração. E estas práticas, como já é sobejamente sabido desde meados dos anos 90, não são exclusivas do Homo sapiens sapiens. E abundam no reino animal existindo várias espécies que apresentam comportamentos ditos bissexuais em larga escala: é o caso dos bonobos (Pan paniscus) primatas que durante o seu período de vida chegam a apresentar comportamentos sexuais com parceiros do mesmo sexo na mesma proporção com que se verificam com parceiros de sexo oposto – mas também em outras espécies que não primatas se tem verificando comportamento homossexual: aves, pinguins, golfinhos, são alguns exemplos. Que eu saiba [e por favor alguém me corrija se estiver errado] ainda não se conhece nenhuma espécie animal com comportamento exclusivamente homossexual [mas atenção, isto não quer dizer que não exista, apenas isso mesmo, que ainda não foi presenciado pela comunidade científica]. Uma coisa se pode concluir de todos os estudos feitos até agora: o comportamento sexual [seja ele qual for] está longe de ser meramente reprodutivo.

O outro factor que considero importante é a identidade sexual. Aqui estará englobado o assumir de um comportamento pelo corpo e o despertar de todo um complexo mecanismo que leva desde o conhecer da sexualidade, passando pelo viver dessa sexualidade com o eu e com os outros, pela construção de afectos, até à construção de uma identidade social. Esta construção de identidade ganha uma nova dimensão quando entramos no ser humano, o que se deve principalmente ao facto de no restante reino animal não existirem dispositivos neuronais com a complexidade e percurso evolutivo necessários (mecanismos estes que estão longe de ser conhecidos mas que nos próximos anos poderão sofrer grandes avanços com a evolução da neurociência, neuropsicologia e da genética comportamental)

É preciso estarmos conscientes que a maioria dos resultados da genética comportamental não devem ser extrapolados para fora do grupo de estudo e que estes mesmos resultados estão profundamente dependentes das condições em que são efectuados os estudos. A razão por que me mostro um pouco relutante face ao gene da região Xq28 (onde se localiza no genoma o dito gene gay) é porque me parece muito redutor da realidade do comportamento homossexual [de salientar que esse gene apenas se refere à homossexualidade masculina!] e a complexidade que está subjacente não é certamente regulada por um único gene. É também importante referir que a manifestação da homossexualidade em espécies que se encontram filogeneticamente distantes leva a crer que deve existir também nessas espécies um gene (ou conjunto de genes) semelhante e que por isso já se deve encontrar estabelecido no nosso genoma há bastante tempo. [editado]

(continua…)