Vivências Queer – Outra Perspectiva
Há ainda muito a conhecer sobre o desenvolvimento das vivências queer. Muito daquilo que tomamos como certo pode tornar-se muito perigoso quando extrapolado para grandes massas, diferentes sociedades. E, mais uma vez, vou virar-me para Oriente.
O contexto em que se desenvolveu a sociedade nipónica ao longo dos últimos séculos é muito característico, devendo-se grandemente ao forte isolamento vivido nas ilhas até perto do século XVI (altura em se iniciou a invasão ocidental). Por isso mesmo a especificidade da cultura e vivências existentes nos dias de hoje não pode ser tomada ao de leve. É, muito importante, para se poder perceber, e de certa forma analisar, o Japão e as bases da sua sociedade enraizarmo-nos nele; pôr de lado o nosso ponto de vista ocidental é o ponto crucial para entendermos os japoneses – é, além disso, um exercício intelectual e de disponibilidade muito construtivo [e recompensador].
A questão da homossexualidade [assim como muitas outras temáticas] toma contornos diferentes daquilo a que estamos acostumados no Ocidente. No Japão actual as vivências queer não são, de modo geral, aceites. Mas também não causam problemas, sendo até por vezes difícil de compreender pelos japoneses o porquê de tantos problemas levantados em torno da questão. A aparente contradição tem uma razão de ser muito concreta: mesmo para a população heterossexual o demonstrar público de emoções é grandemente evitado [por vezes mesmo dentro da própria família], pelo que o assunto se torna unicamente do foro íntimo de cada um – este cenário tem vindo a alterar-se com as gerações mais novas, mas até há bem pouco tempo, o casamento não passava de uma união entre duas pessoas para gerarem família [o amor não era condição necessária]. Vários antropólogos e historiadores têm recentemente vindo a publicar várias obras onde desvendam as raízes das vivências queer no Japão ancestral e a sua evolução até aos dias de hoje: na classe samurai, durante o período de Tokugawa [séc.XVII-XIX], era prática comum a relação homossexual, sempre mantida na intimidade de cada um. Não obstante, é de salientar que isto não fez, nem faz do Japão um país mais liberal. Eu diria que o espírito vivido é mais despreocupado.
É também de salientar outro aspecto interessante: a grande resistência oferecida pela população homossexual japonesa à noção de “gay pride”. É um conceito que lhes faz “espécie”. Isto porque o simples demonstrar de emoções consideradas privadas em público não é “normal”, ou “natural” do ponto de vista que o é para um ocidental. Tal como Mark McLelland salienta no seu artigo [ver abaixo] isto pode ser vantajoso de futuro para um despertar da sociedade para estas questões de uma forma menos agressiva como se tem verificado por estes lados. De notar ainda que não existem movimentos anti-gay por parte da religião ou das instituições da família, isto porque as religiões do país (o budismo e o xintoísmo) não entram nesse tipo de contendas e não discriminam gratuitamente [estima-se que apenas 1% da população japonesa seja cristã].
Para aprofundar um pouco mais a questão recomendo vivamente a leitura do seguinte artigo escrito por Mark McLelland [2000] no Intersections sobre a temática geral “Cultural Translations, Cultural Appropriations: Spaces, Media and Performance”: Male Homosexuality and Popular Culture in Modern Japan. Aborda uma perspectiva das vivências dos LGBT no Japão, enquadrando-as no panorama actual da cultura popular (para os interessados em anime poderá ter particular interesse)
[adicionado] Sugiro também que leiam o pequeno artigo, mais recente, do mesmo autor: Kamingu Auto - Homosexuality & Popular Culture in Japan (versão PDF)
[adicionado] Outra leitura interessante por Dharmachari Jñanavira vem em Homosexuality in the Japanese Buddhist Tradition.
<< Home