Religião do Povo
Tenho ido à Igreja. Não me considero cristão, e tão-pouco ateu. Não acredito naquele "Deus", mas não sei se acredito nalguma coisa em particular. No entanto, todos os Domingos lá estou, assisto o coro com o orgão e tenho prazer nisso.
Há mais de um ano que faço isto, e durante este tempo tenho reparado nalguns pormenores que, uns mais, outros menos, tinham-me passado despercebidos.
Os textos: Há muitos escritos que são musicados para o coro cantar durante a missa. Cada momento tem o seu tipo de texto (Entrada, Senhor tende Piedade, Salmo, etc), e durante o ano também mudam, e há algumas características que vão recorrendo:
- Duplo Significado: Acho que é o termo que melhor descreve. Depois de ter lido vários textos em casa enquanto ensaiava, quando o Padre comentava sobre eles durante a missa revelava um significado bastante "mais além". Achei algumas metáforas de uma beleza incrível.
-Contexto Histórico: É muito comum. Referências a Sião e outros lugares antigos, a povos como os filisteus e situações daqueles tempos. É preciso conhecer o que se passava para realmente perceber o que se quer dizer com o que está lá escrito. Mais uma razão para não tomar a Bíblia literalmente.
-Justiça Social: Este foi um dos aspectos que mais me surpreendeu, encontrei muitos textos com passagens flagrantes deste género:
"Os poderosos empobrecem e passam fome
Aos que procuram o Senhor não faltará riqueza alguma"
O padre poderá dizer que refere-se à fome de espírito, e que o Senhor realmente enriquecerá a alma, mas esta é uma religião do povo, e não é isso que ao povo interessa ler... e quem escreveu os textos, tinha consciência disso.
Nota-se que muitos dos textos são dirigidos a pessoas descontentes, de um nível social 'inferior' e não deixa de parecer que quem escreveu está a aproveitar-se abertamente dessa grande massa social (ainda maior à dois mil anos atrás).
-Preto/Branco: Não há espaço para uma alternativa. Ou acreditamos, ou deviamos acreditar. Acho que este é o aspecto mais limitativo da religião cristã (logo a seguir vêm a dificuldade de se adaptar aos novos tempos), considerar que o Nosso Senhor e Jesus Cristo são o único caminho para a "iluminação". É um caminho. Se falarmos com um padre, ele concordará que é mais um caminho, mas não é esta a mensagem que passa. Esta posição favorece brutalmente a evangelização, porque aos estarmos nós certos e os outros errados, o mais natural é querermos "abrir os olhos" às pessoas que ignorantemente ainda não acreditam. Infelizmente, todos os dias vemos como esta mentalidade "eu certo, tu errado" está enraizada em qualquer tipo população (vejam Israel, ou os EUA...).
Acho que esta posição vem do nosso âmago, talvez dos nossos genes egoístas, mas como a religião também serve para passar um modelo moral, de como deveriamos comportarmo-nos, devia estar acima deste comportamento básico. A religião serve-nos, não somos nós que nos servimos dela.
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