terça-feira, janeiro 27, 2004

Do Princípio da Incerteza ao Mushin Parte II

Aproveitando para fazer um paralelismo com a Incerteza de Heisenberg, gostava de introduzir agora o conceito de mushin. Mushin significa, literalmente, "alma vazia" e representa um dos fundamentos básicos do Zen - o Vazio. Por Vazio entende-se uma disponibilidade para o acto criativo, ou por outras palavras, o desapego de "pre-conceitos" (no seu sentido mais profundo), que permita uma interacção "ingénua" com o meio, de forma a dele podermos captar as mais subtis menifestações.

Este conceito surgiu ao longo dos séc. VI até VIII, na India e na China, por meio de várias correntes do t'chan.(*) Foi o despertar da consciência dos díscipulos de Shakyamuni (o primeiro buda) para a incerteza inerente à vida. Surgiram na altura vários koan (paradoxos que ajudavam os alunos na sua procura interior): como exemplo o dos monges cegos que, tocando um elefante, apenas conseguem ter evidência de partes do elefante. (foi este koan que deu o nome ao recente filme de Gus Van Sant "Elephant")

A incapacidade humana para conhecer uma realidade absoluta está subjacente à nossa própria existência [que é só por si bastante incerta]. E o princípio de Heisenberg terá sido um grande passo na tomada de consciência disto pela comunidade científica [ao ponto de os fazer rever as posições absolutas e arrogantes que eram constantemente tomadas]. A filosofia Zen budista ensina-nos a esvaziar o espírito para que possamos pesar o macro e o micro, permitindo-nos um despertar para a nossa importância enquanto seres vivos, mas também para a nossa insignificância enquanto seres num Universo. O livre arbítrio será aí uma sucessão de "livres arbítrios" convergindo para uma estabilidade [obviamente dinâmica] onde a perfeição não existe mas onde coexistem as imperfeições.

Acredito que num futuro próximo [talvez não muito longínquo?] seja possível uma fusão dos pensamentos ocidentais e orientais porque ambos se complementam bastante bem [se entretanto não nos aniquilarmos, mas creio que não]... é necessário acordar para uma pluralidade de realidades que, independentemente de nós, coexistem. E fico-me por aqui...



(*) Para os interessados sugiro um livro bastante bom que faz uma pequena introdução ao Zen, de um ponto de vista de evolução histórica desde o seu surgimento na India, ao t'chan na China e mais tarde a sua introdução no Japão. É da autoria de Jacques Brosse: "Mestres Zen" - existe uma versão portuguesa editada pela Pergaminho.